Um Século de Espiritualidade

por Nantiya Tangwisutijit [The Nation, 27 de maio de 2006]

Poderá o buddhismo thailandês ser salvo da superstição? Seguidores acreditam que os ensinamentos de Buddhadasa são decisivamente relevantes para a nossa era.

Bangkok, Thailândia – Mayura Wilainum-chokchai recorda-se de ter se interessado muito pouco pela extensa cobertura, nos noticiários de TV, ao funeral do Venerável Buddhadasa Bhikku, a 13 anos atrás. Como nunca tinha ouvido falar do monge antes disso, ela simplesmente presumiu que Buddhadasa fosse um dos muito famosos Luang pu, monges anciãos com poderes sagrados.

Agora com 26 anos, Mayura vê as coisas de um modo muito diferente. Recentemente, ela abandonou seu trabalho como artista gráfico em uma empresa japonesa a fim de prosseguir sua licenciatura nos Estados Unidos. Quando retornar à Thailândia, ela planeja dar início a uma nova vida como educadora, difundindo o dharma de Buddhadasa junto aos jovens da nova geração.

“Pretendo atrair a atenção dos jovens para o Buddhismo”, diz ela. “Eu já era quase velha demais quando descobri que os ensinamentos buddhistas podem ser benéficos para alguém que, como eu, nunca acreditou em estórias de superstição nem nunca gostou de freqüentar templos cheios de ornamentos e de monges assistindo TV e se divertindo com jogos eletrônicos”.

Na noite passada [26 de maio], Mayura e alguns de seus “amigos de fé” viajaram de trem até Suan Mokkh ou o “Jardim da Liberação” – fundado pelo Buddhadasa a 74 anos atrás -, para juntarem-se às comemorações de hoje pelo centenário do mais conhecido estudioso buddhista da Thailândia e reformador do Buddhismo Theravada.

Mayura exemplifica uma tendência crescente entre os jovens, uma tendência que vários estudiosos buddhistas esperam ser capaz de salvar o Buddhismo Thailândes de um futuro potencialmente instável.

“Mais de 80% das pessoas dizem que são buddhistas, mas eu duvido que a maioria delas saiba realmente qual é a essência do Ensinamento de Buddha”, desafia Bancha Chalermchaikit, proprietário da editora Sukapap Jai, responsável pela publicação dos livros de Buddhadasa durante mais de duas décadas.

“Quase 2.000 cópias dos livros de Buddhadasa podem nas prateleiras durante cerca de quatro ou cinco anos, ao mesmo tempo em que os livros de monges e monjas com poderes sobrenaturais podem alcançar mais de 100.000 cópias vendidas em poucos meses”.

Pior ainda, acrescenta Phra Dussadee Methangul, um conhecido discípulo de Buddhadasa, é que a maioria dos 300.000 monges buddhistas da nação não está cumprindo a sua missão de ajudar as pessoas a libertarem suas mentes da ignorância que o Buddha ensinou ser a raiz e causa de toda ilusão e sofrimento.

“Os próprios monges podem até mesmo estar encorajando esta ilusão”, explica Phra Dussadee. “Eles chegam a distribuir números para sorteios, amuletos, e até a benzer com água benta, porque sabem que esses são jeitos certos de atrair as pessoas para os seus templos – e mais visitantes representam maiores doações”.

Mas – assim como enfatizou Buddhadasa -, essas atividades estão longe daquilo que é a essência dos Ensinamentos de Buddha, e como resultado disso, acusam os críticos, elas estão contribuindo para o declínio da religião, numa época em que ela é mais necessária do que nunca.

Defensor do Buddhismo, Dr. Tienchai Wongchaisuwan observa que templos que se aproveitam dos medos e das esperanças das pessoas em relação a uma vida melhor agem de modo apenas ligeiramente diferente do modo como age uma grande corporação. “As multinacionais exploram nossa ignorância sobre como funciona a ambição pelas posses materiais, e sistematicamente fazem um pacote disso tudo como sendo fruto da ‘cultura da modernidade'”, argumenta ele.

Outros estudiosos concordam com isso. À medida que se torna mais e mais sofisticado, o consumismo passa a negociar não apenas produtos, mas também estilos de vida e cultura. O Buddhismo ritualista tira proveito desse mesmo enfoque: “Diz respeito a fazer com que as pessoas se sintam melhores consigo mesmas”, nota a Dra. Suwanna Satha-anand, professora de filosofia da Universidade Chulalongkorn.

“O Buddhismo comercial também vende algo mais abstrato, tal como treinamento meditativo capaz de fazer as pessoas sentirem uma felicidade momentânea”, aponta ela.

“Temos de admitir que o Buddhismo [tal como ensinado por Buddhadasa] é uma religião realmente muito difícil e exigente. Trata-se de uma religião baseada na sabedoria, e não na fé. Para conquistar essa sabedoria, é preciso que você não apenas entenda intelectualmente os Ensinamentos, mas que principalmente você os coloque em prática. Para isso, você deve contar consigo mesmo, e não com deuses”.

Mas Phra Paisal Visalo, um discípulo de Buddhadasa bastante conhecido, não se desanima. Segundo ele, o fato de um número crescente de ocidentais estar se interessando cada vez mais pelo Buddhismo e por sua explicação lógica da vida e do sofrimento ilustra bem a incapacidade das pessoas de encontrar uma resposta para a vida através do sucesso material.

Segundo ele, isso não ocorre de modo diferente na Thailândia, e cita os jovens – como Mayura – como um exemplo do início de uma tendência parecida. “Esse crescimento do consumo material tem um lado positivo, pois dá à religião uma oportunidade de oferecer alternativas, dado que as pessoas acabam superando o mito de que o materialismo traz felicidade”, diz ele. “Além disso, avanços como os da tecnologia da informação podem nos ajudar – a nós, monges – a entender o mundo exterior e a ser mais compreensivos com as necessidades das pessoas”.

Phra Dussadee concorda com isso, e acrescenta que talvez seja a hora de os seguidores de Buddhadasa adotarem uma postura mais afirmativa ante sua comunidade, a fim de disseminarem seus ensinamentos a amplos grupos na sociedade. Tal como era o desejo de Buddhadasa, cada vez um número maior de leigos está começando a ensinar o dharma para seus camaradas leigos, através de livros e palestras, tal como Mayura planeja ela mesma fazer.

“Monges certamente enfrentam um duro desafio se querem continuar sendo indispensáveis para o futuro do Buddhismo”, alerta Phra Dussadee. “Poderemos perder relevância se não nos tornarmos mais comprometidos com o ensino e a prática mais profunda do dharma, ajustando nosso papel como praticantes religiosos”.

No final das contas, nada disso realmente terá importância se seguirmos o ensinamento básico buddhista da impermanência, diz a Dra. Suwanna. “Os ensinamentos de Buddhadasa podem, eventualmente, desaparecer, mas – como enfatizam os próprios monges – o Buddhismo é uma lei fundamental da natureza que sempre estará aqui, presente, para que as pessoas a descubram”.

© 2006 tradução de Newton Sodré, para a Comunidade Nalanda, https://buddhadasa.nalanda.org.br